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Cegás estuda injetar hidrogênio verde na rede em dois anos

Em entrevista, o diretor-presidente da concessionária, Hugo Figueirêdo, explica o processo de diversificação das fontes e as expectativas para o próximo ano

 

FONTE: Brasil Energia

Com cerca de 614 km de rede e atendendo aos municípios de Aquiraz, Aracati, Caucaia, Eusébio, Fortaleza, Horizonte, Pacajus, Pacatuba, Maracanaú e São Gonçalo do Amarante, a Companhia de Gás do Ceará (Cegás) distribuiu 583,4 mil m³/dia de gás natural para os 25,18 mil clientes no primeiro semestre de 2022.

Do total, são 24,45 mil consumidores residenciais, 530 comerciais, 124 industriais, 61 postos de GNV, nove de cogeração, um de geração elétrica e um de matéria-prima. Para ampliar a diversificação da oferta e interiorizar o consumo de gás canalizado, a empresa estuda distribuir hidrogênio verde aos consumidores nos próximos dois anos. Como no projeto de biometano, a empresa pode ser a pioneira no setor.

O EnergiaHoje entrevistou o diretor-presidente da Cegás e conselheiro administrativo da Abegás, Hugo Figueirêdo, para entender a diversificação da fonte no estado e as expectativas para o próximo ano.

O estado do Ceará foi o primeiro a injetar biometano na rede de gás canalizado e atualmente corresponde a 15% do consumo. Como surgiu o interesse da distribuidora em usar o biometano?

Para responder sua pergunta, precisamos entender o contexto da configuração de suprimento de gás natural no Ceará. Aqui, nós temos três pontos de suprimento: o aterro que provém biometano, o terminal de regaseificação de Pecém e o gasoduto de transporte da TAG. Há cinco anos, nós tínhamos uma produção onshore pequena, pois só tínhamos a plataforma de Paracuru, da Petrobras. A estrutura foi hibernada mas, na época, nós já estávamos prevendo a dificuldade do suprimento com a redução do fornecimento local se a estatal optasse pelo desligamento.

O terminal de regás foi implementado para atender a Termofortaleza e a Termoceará, que funcionam até hoje. De certa forma, as termelétricas serviram como âncora e abastecimento extra. Mas o terminal tem um contrato de operação, que inclusive vai terminar em 2023, e em alguns momentos a Petrobras retirava o navio, fazendo o terminal ficar sem gás. Com isso, ficaríamos dependentes do gasoduto de transporte para abastecimento, então o governo do estado do Ceará achou importante encontrar outras alternativas de suprimento. Em consultas com empreendedores locais, recebemos esse projeto de adquirir esse gás renovável do aterro. O biometano tem um apelo muito importante pela sustentabilidade e também garantia o suprimento de gás canalizado do estado. O governo patrocinou a iniciativa por meio da Cegás e o projeto ainda concedeu incentivos fiscais no ICMS para garantir que, na ocasião, o preço fosse compatível com o do gás natural. Então, se constituiu um “ganha-ganha”: disponibilidade, garantia de suprimento e sem impacto na tarifa do consumidor final.

Quais foram os desafios para implementação do projeto?

Eu diria que o desafio inicial principal foi a regulação. Começamos a injetar biometano apenas para um consumidor, a Cerbras, porque não tínhamos uma regulamentação sobre uso de biometano na rede.

Posteriormente, vieram os desafios tecnológicos na própria construção do gasoduto, porque nós optamos pela poliamida ao invés do aço. Na época, havia dúvida se o aço suportava trabalhar com o biometano. Além das condições operacionais do aterro, o caminho que o gasoduto faria até a indústria de cerâmica nos fez optar por uma rede de poliamida. Normalmente, as distribuidoras usam aço para pressões mais elevadas ou polietileno para pressões menores, que é a rede urbana. No nosso caso, o aço seria a melhor opção, mas tinha a questão do material se dar bem com o biometano.

A injeção da mistura na rede também foi um desafio. Até quanto eu posso injetar? Hoje, nós sabemos que podemos injetar tudo; mas, na ocasião, não tinha esses limites. O biometano se dispersa de maneira não uniforme quando injetado na rede, então, tem cliente que recebe mais biometano do que os outros. O poder calorífico do biometano, aprovado pela ANP, é um pouco menor que o do gás natural convencional. Para alguns clientes, isso não faz diferença. Mas, para o que escolhemos como pioneiro na época, faz muito diferença.

Atualmente, quem fornece biometano para a Cegás?

A Cegás garantiu a compra do biometano por um prazo de dez anos, que agora foi prorrogado por mais cinco. A vigência vai de 2017 até 2032. Esse contrato garantiu a financiabilidade do projeto, porque a receita está garantida. A empresa Marquise, concessionária do aterro, fez uma sociedade com a Ecometano, experiente no ramo do biogás, e criaram a GNR Fortaleza. Atualmente, ela é a supridora de biometano.

E vocês pretendem atrair novos supridores?

Em 2017, nós começamos com um volume de 60 mil m³/dia e, agora, estamos com 90 mil m³/dia de biometano vindos da GNR Fortaleza. A empresa foi percebendo que podia fazer melhorias, como a mudança para o aterro vizinho quando o tempo de vida útil do aterro inicial terminou. Agora, discutimos um aditivo adicional para ultrapassarmos os 10 mil m³/dia de biometano.

Nós estamos avaliando há um tempo a possibilidade de expandir para outras regiões no interior do estado, mas sabemos que com limitações. Metade da população do estado está concentrada na região metropolitana de Fortaleza, não podemos imaginar que o interior terá aterros tão grandes como os daqui e ainda há a dificuldade de uma empresa privada fazer a gestão do empreendimento no interior. Isso ainda não existe no interior. Fora o aterro, há outras fontes aqui no Ceará. Estamos explorando a possibilidade do lodo do esgoto, pois, assim como em todo o país, o estado tem um programa de esgotamento sanitário, com a Cagece. Recentemente, o estado fez uma PPP gigantesca para aumentar o esgotamento sanitário na região metropolitana de Fortaleza. Por fim, não podemos deixar de considerar os resíduos agropecuários. Esperamos ser bem sucedidos e ampliar a participação desses 15% de biometano na rede de gás canalizado. Esse volume ainda é o maior do país e, em escala mundial, estamos atrás somente da Dinamarca, que tem mais de 20%.

A Abegás e a ABiogás têm um grupo de trabalho (GT) para ajudar no desenvolvimento do biometano. Qual a relação entre a distribuidora e o GT?

Esse grupo de trabalho foi criado durante a minha gestão, pois além de diretor-presidente da Cegás eu também sou presidente do conselho de administração da Abegás. O mercado brasileiro consome cerca de 600 mil m³/dia, mas só o biometano tem potencial de 120 mil m³/dia de biometano. É o dobro, mas, temos alguns desafios. Esse gás não costuma estar concentrado, está em resíduos, aterro, tudo o que é matéria orgânica. Tem como ter um esforço para, de certa forma, organizar o setor produtivo representado pela Abiogás. E, partir das distribuidoras, fazer esse ganha-ganha e fazer esse gás chegar em regiões que não são abastecidas.

Agora, falando um pouco sobre gás natural, como o senhor avalia o mercado do insumo no estado?

Aqui nós falamos mais gás canalizado ao invés de gás natural, porque misturamos com o biometano. Nós temos crescido ano após ano, claro que teve uma queda com a pandemia, mas já retomamos os patamares anteriores e batemos um recorde no volume distribuído no mês de maio. Só não tivemos outro recorde em agosto porque o governo esqueceu do GNV na implementação do novo ICMS. Em todo o Brasil, e no Ceará não seria diferente, nós vimos uma crescente até junho e, com a entrada do novo imposto, nós tivemos uma queda do volume do mercado automotivo. Espero que o próximo governo federal e os estaduais percebam isso e restabeleçam o equilíbrio tributário. Apesar disso, o mercado industrial do estado do Ceará está crescendo muito e esperamos ter um crescimento estadual acima da média. Nós estávamos crescendo acima da média nacional e do PIB. Estamos bem otimistas com o crescimento do mercado.

E por falar em otimismo, quais as expectativas da Cegás para o próximo ano?

Com esse portfólio diversificado dos supridores e o crescimento acima do PIB, a nossa expectativa é continuar crescendo. Com a participação do biometano, continuaremos buscando novos supridores. Para os próximos dois anos, queremos trabalhar com o hidrogênio verde. Será da mesma forma que o biometano, seremos os pioneiros a distribuir para os clientes. A mistura é mais complicada que o biometano, mas este ano vamos terminar um projeto de pesquisa em parceria com a Universidade Federal do Ceará, com apoio do governo do estado, para definir os parâmetros. Ainda não tem regulação e, se comparar com nossa história do biometano, é semelhante. Vamos aproveitar nossa experiência para implantar a distribuição do hidrogênio verde aqui.