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Na expectativa de mais negócios no ACL
Em entrevista, o CEO da 2W Energia, Cláudio Ribeiro, explica a estratégia da empresa para atender a expansão do mercado livre, com foco em pequenos e médios consumidores
FONTE: Brasil Energia
A movimentação para abrir o mercado livre de energia, com a publicação da Portaria 50, no dia 27/09, que estabeleceu o ano de 2024 para a abertura total para a alta tensão, seguida pela consulta pública 137, de 30/09, que propõe 2028 para o acesso da baixa tensão, foi comemorada por empresas e agentes do setor elétrico.
De imediato, o cronograma já definido para a alta tensão, que permitirá a migração de cerca de 106 mil consumidores, ou 10 GW de carga, foi ainda mais celebrado para empresas como a 2W Energia, com foco estratégico em comercializar energia com consumidores médios e pequenos, perfil da nova leva que aumentará o ACL em dois anos.
A importância desse perfil de consumo para a 2W é tão grande que a empresa investe R$ 2,5 bilhões em dois parques eólicos – o primeiro, o Anemus, em operação até o fim do ano, e o outro, o Kairós, prometido para 2023 – lastreados com centenas de PPAs fechados com empresas de médio e pequeno porte, operação financeira inovadora no País.
“Sempre acreditamos que o Brasil ia seguir o modelo dos mercados mais maduros. Era uma questão de tempo, de saber quando ia acontecer”, disse em entrevista ao EnergiaHoje o CEO da 2W Energia, Cláudio Ribeiro, que a seguir explica a estratégia focada em médios e pequenos consumidores.
Como o sr. viu os recentes movimentos de liberalização do ACL, a começar pela Portaria 50, que permitiu o acesso de toda a alta tensão em 2024 e a CP 137, que propõe a baixa tensão para 2028?
A liberalização do mercado agora é um ponto sem retorno, depois de muitos anos de atraso. A expectativa é das melhores, porque, para começar, tem esse contingente do grupo A para migrar em 2024, por volta de 110 mil consumidores, dos quais 40% são indústrias e o restante de empresas de serviços. Embora entre 20% e 30% desse total não deva migrar, porque já deve ter optado pela geração distribuída, ainda assim é uma carga importante para impactar o mercado, calculada pela CCEE em torno de 10 GW. Então colocar esse cronograma para fazer o Brasil ter um regulatório de fato livre é benéfico não só para dizer para onde a gente vai, mas para direcionar companhias como a 2W para fazer os investimentos voltados para captura desses consumidores.
E como deve ser a captura desses consumidores?
Os investimentos vão em duas frentes, primeiro em geração, que no nosso caso envolvem R$ 2,5 bilhões nos dois parques eólicos no Rio Grande do Norte e no Ceará, que são 100% voltados ao ACL e lastreados em centenas de PPAs para pequenos e médios consumidores. Isso diminui o risco da gestão do portfólio de compra e venda de energia. A segunda é entender esse mercado consumidor, que é muito grande e espalhado pelo país, de carga média, não eletrointensivo, e criar uma estratégia para ele, que é em sua maioria uma PME [pequena e média empresa], que se sente impactada pelo cliente, normalmente grandes empresas que pedem que eles se adequem a novos padrões de sustentabilidade. Ele também é um consumidor que vai pagar melhor pela energia do que o grande, que ganha em escala de negociação. Temos hoje 1800 consultores no país e ferramenta digital para se aproximar e até explicar a esses consumidores como é o mercado livre, o que muitos ignoram.
Como é a negociação com esses clientes?
Para esse pequeno e médio não dá para dizer que ele vai ter que investir. A empresa tem que fazer o investimento da migração, e ganha com a assinatura de contratos de compra de energia de cinco ou seis anos. Esse PPAs vão ser sempre atrativos, de 15% a 30% mais baratos em comparação com o pago às distribuidoras. Além disso, garantimos um selo de energia limpa para o consumidor, atestando que ela vem de um de nossos parques de geração renovável centralizada. Essa companhia menor precisa também que alguém faça a transição para o net zero para ela e isso é apenas uma das soluções que o mercado liberalizado vai possibilitar que empresas como a nossa ofereçam em breve.
O que dá para ofertar mais?
A abertura vai trazer inovação. E eu acredito que vai acabar acontecendo o que aconteceu em Portugal, uma confluência de negócios para se relacionar com esse consumidor menor. Confluência de oferecer energia, banda larga, telefonia, streaming, dados, banco de dados, oferecido em um pacote. Aí vai depender da criatividade das empresas para oferecer mais conveniência para o consumidor. Ele não vai ficar preso só no preço, como as eletrointensivas que hoje estão no mercado livre. A relação vai ser a de que empresa pode resolver várias coisas ao mesmo tempo para o cliente.
A expansão da geração hoje no Brasil se baseia no mercado livre. Mas esses projetos, para serem financiados, precisam estar atrelados a PPAs corporativos de longo prazo, para garantia nos empréstimos. Como vocês fizeram para viabilizar os projetos eólicos, já que eles estão lastreados nesses clientes médios e pequenos?
É óbvio que a maioria dos empreendedores prefeririam vender para esses clientes que nós vendemos, médios e pequenos que pagam melhor do que os eletrointensivos. Mas quando eles batem no BNDES ou em outro financiador do projeto, a primeira pergunta que eles ouvem é sobre o PPA de longo prazo. E aí eles precisam ficar vendendo energia para os grandes por dez ou mais anos, em contratos não muito rentáveis. Às vezes pra melhorar a rentabilidade do projeto eles vendem 80% no atacado e deixam o resto para pegar consumidores menores. Já a 2W foi inovadora nesse sentido, porque o primeiro projeto a gente conseguiu financiar via debênture com emissão de 475 milhões de reais no meio de 2021, com prazo de 18 anos, mesmo estando lastreada por centenas de PPAs com pequenos e médios em prazo médio de seis anos.
Como isso foi possível?
Nós conseguimos demonstrar para a agência de rating, a Fitch, que nos deu um rating duplo A para a emissão, que valia mais a pena vender para centenas de pequenas e médias do que ter três, quatro, cinco ou seis PPAs para grandes companhias por 18 anos. Porque com a diferença de preço que a gente ganha ao vender para esse pequeno e médio, em comparação com os PPAs com os grandes, cria-se um buffer [reserva financeira] de recurso nos primeiros seis anos que paga a debênture. Ou seja, com essa modelagem financeira conseguimos quebrar essa lógica do mercado de geração de que é preciso ter PPA de longo prazo com nomes triple A para financiar os projetos. E além disso conseguimos expandir o mercado livre, porque se essa lógica permanecesse uma hora não ia ter mais nomes triple A para financiar a expansão.
Como o sr. vê o papel da geração distribuída no cenário de liberalização total do mercado, que deve segundo a consulta pública 137 ocorrer em 2028 com a entrada da baixa tensão?
O crescimento da GD, para começar, representa que o mercado já é livre atualmente, ao dar a liberdade de o consumidor buscar uma alternativa ao status quo. O problema é que a GD criou um ônus para o mercado cativo e talvez ela não seja a melhor maneira de fazer o mercado ser livre. Não dá mais para ser do jeito que vem sendo hoje, através de puxadinhos, por meio da autoprodução ou da GD. Isso vai deixando o mercado cativo cada vez mais caro. Mas com a abertura o benefício do mercado livre tende a ser igual ou maior do que a GD, porque muitas vezes o consumidor não precisa investir na migração, ao contrário da geração distribuída, com o financiamento das placas solares.
Então com a ascensão do mercado livre a GD deve perder força?
Eu creio que sim, porque o consumidor terá a opção de migrar, com descontos vantajosos, sem precisar investir. Mas, em tese, em consumidores com cargas muito baixas, do grupo B residencial, talvez não faça sentido para empresas como a 2W ofertar a mudança, já que o custo de aquisição tende a ser proibitivo e talvez esse seja o perfil futuro do consumidor que vai para a GD, que pode virar nicho para casos de menores cargas residenciais.
Como estão as obras dos parques eólicos?
O parque Anemus, de 138,6 MW de potência, no Rio Grande do Norte, com 33 aerogeradores já montados, entra em operação até o fim do ano e está próximo do comissionamento. Já o do Ceará, o Kairós, de 261 MW, em obras, entra em meados do ano que vem. Eles também serão hibridizados com energia solar, o primeiro no segundo semestre de 2023 e outro em 2024, com aproximadamente mais 250 MW cada um.