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Novas fábricas de celulose levam a corrida por terras e madeira no país

Indústria de base florestal brasileira tem planos de investir R$ 58,8 bilhões até 2028 em novos projetos para atender demanda mundial

FONTE: Valor Econômico

Há cerca de 40 dias, quem passasse por Três Lagoas (MS) ou Água Clara (MS), cidade a 134 quilômetros por rodovia da autoproclamada capital mundial da celulose, teria se deparado com “outdoors” em que a Eldorado Brasil, produtora de celulose de eucalipto controlada pela J&F Investimentos, anunciava que está “compradora” de madeira.

A iniciativa da companhia não é isolada e, mais do que isso, revela a corrida por terras e madeira em curso no Brasil, que se acelerou com os R$ 58,8 bilhões em investimentos planejados pelo setor de base florestal até 2028, segundo cálculo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá).

A escalada de projetos levou ao encarecimento desses insumos em diferentes Estados, e a apostas de que nem todos estarão em operação na data prevista. Se todas as novas fábricas, planejadas ou anunciadas, entrassem em atividade hoje, haveria déficit de pelo menos meio milhão de hectares de eucalipto cultivado somente em Mato Grosso do Sul, que concentra mais investimentos, segundo estimativas do setor.

“Hoje, não tem madeira para todo mundo”, disse ao Valor uma fonte da indústria, sob a condição de anonimato. Terras para cultivo de eucalipto, que leva sete anos até o corte para uso na produção de celulose, ainda estão disponíveis no Estado, mas a preços ascendentes, acrescentou.

Há pouco mais de um ano, o sócio-diretor do Grupo Index, Marcelo Schmid, já apontava os riscos de um “apagão” de madeira em Mato Grosso do Sul. Esse cenário está se confirmando e, desde 2020, os preços do metro cúbico mais que dobraram no Estado. “Neste momento, não há floresta plantada para todos”, diz. O grupo Index atua em consultoria florestal e ambiental.

Na avaliação do especialista, os preços da madeira devem seguir elevados pela combinação de demanda aquecida e plantio escasso nos últimos anos. Ainda assim, há espaço para produção adicional de celulose no Estado, atualmente de pouco mais de 5 milhões de toneladas por ano entre as fábricas existentes de Suzano e Eldorado. O governo estadual fala em potencial produtivo de até 15 milhões de toneladas anuais. Mas a conta fica cada vez mais salgada, pondera o especialista. “Terra tem, mas está cara. Madeira, é mais difícil”, reitera.

ara Schmid, os Estados onde há atividade florestal e industrial, como Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, ainda se mantêm como favoritos para novos projetos. “Tocantins, por exemplo, tem área plantada interessante, mas existem dificuldades logísticas”, observa.

Além da Eldorado, cujos planos de expansão foram interrompidos primeiro pela intenção de venda do controlador e depois pela briga entre as sócias, Suzano, Arauco, Bracell, Paper Excellence (PE), sócia minoritária da Eldorado, Euca Energy e Paracel, que vai operar no Paraguai, estão buscando terras e madeira em Mato Grosso do Sul.

Enquanto Suzano, Arauco, Euca Energy e Paracel já tornaram públicos os seus planos, Bracell e PE correm por fora da pista “oficial”: a PE, para assegurar madeira para uma futura expansão da Eldorado, e a Bracell, do grupo asiático RGE, que acaba de expandir a fábrica de celulose da antiga Lwarcel no interior paulista, para atender à expansão e preparar terreno para uma futura nova unidade, segundo fontes da indústria.

Procuradas, Eldorado, Paper Excellence e Bracell não se manifestaram sobre o assunto.

A Suzano, maior produtora mundial de celulose de mercado, está investindo R$ 19,3 bilhões para instalar a segunda unidade em Mato Grosso do Sul, o Projeto Cerrado, com capacidade de 2,55 milhões de toneladas anuais. A primeira está em Três Lagoas (MS), onde também fica a Eldorado. A companhia já tem 100% da madeira necessária para início de produção no segundo semestre de 2024, e começou o plantio para o segundo ciclo de eucalipto.

Em conversa recente com o Valor, o presidente da Suzano, Walter Schalka, destacou que 2022 será marcado por plantio recorde, de até 850 mil árvores ao dia, para garantir o atendimento às operações atuais e ao Projeto Cerrado. Em abril, a empresa fechou a compra de 206 mil hectares, em quatro Estados brasileiros incluindo Mato Grosso do Sul, por US$ 667 milhões. A madeira cultivada nessas áreas já era usada pela empresa.

Há duas semanas, a Arauco assinou um termo de acordo com o governo sul-mato-grossense, que contempla a construção de uma fábrica de 2,5 milhões de toneladas anuais de celulose de eucalipto em Inocência, mediante investimentos de US$ 3 bilhões (mais de R$ 15 bilhões ao câmbio atual).

O Projeto Sucuriú, que pode entrar em operação no primeiro trimestre de 2028, ainda tem de ser aprovado pelo conselho de administração do grupo chileno e depende de algumas condições precedentes para sair do papel, entre as quais a disponibilidade de madeira. A Arauco já tem 60 mil hectares no Estado, dos quais 40 mil plantados, e terá de chegar a 380 mil hectares em área bruta para desenvolver o projeto. Em entrevista ao Valor, o presidente da companhia no Brasil, Carlos Altimiras, disse que há várias frentes de negociação em andamento e a expectativa é chegar a 2024 com 70% a 80% da área total já assegurada.

O crescimento da demanda de madeira acima do normal, em diferentes regiões do país, também chamou a atenção de fundos nacionais e estrangeiros, e de “family offices”, que passaram a buscar no setor florestal uma opção de investimento. Além disso, diz Schmid, a transição para uma economia de baixo carbono contribui para a maior atratividade dos ativos florestais, que ajudam no sequestro de carbono.

A corrida pelo insumo e por terras não se restringe ao Centro-Oeste. Também no Sul e no Sudeste há competição por áreas para plantio de eucalipto e pinus, e alta de preços importante. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP), em maio, o valor médio das madeiras in natura e semiprocessadas de eucalipto e pinus subiu até 15% ante abril.

Mais à frente, segundo fontes da indústria, o Norte do país poderá se tornar destino de mais investidores em ativos florestais e produtores de celulose e papel.

Outros dois nomes de peso, Klabin e CMPC, estão comprando “o que é possível” no Sul, segundo fontes. Com Puma II, o maior investimento de sua história, a Klabin terá desembolsado R$ 12,9 bilhões até 2023 em duas novas máquinas de papel, com produção integrada de celulose. O projeto levou a companhia às compras, também de madeira e áreas.

Em entrevista por e-mail, o diretor-geral da CMPC no Brasil, Mauricio Harger, disse que o foco, hoje, está no projeto BioCMPC, que elevará a produção na unidade de Guaíba (RS) a partir de dezembro de 2023 em 350 mil toneladas.

“Hoje, possuímos a base florestal necessária para abastecer nossa unidade industrial com madeira. Sobre os recentes anúncios de novos projetos, eles deixam evidente o quanto o setor está dinâmico. Esse crescimento demonstra o protagonismo global que temos no setor”, afirmou.