Digitalização tímida na indústria de óleo e gás
FONTE: Brasil Energia
Apesar de 98% das empresas ouvidas pela Deloitte acreditarem que o digital causa impacto positivo em seus negócios, cerca de 40% consideraram que iniciativas digitais geraram pouco benefício nas empresas
A transformação digital, processo avançado em vários setores da economia, ainda caminha a passos tímidos na indústria de óleo e gás, tanto globalmente quanto no Brasil.
Essa é a conclusão de estudo realizado pela consultoria Deloitte, que pesquisou a maturidade digital de cerca de 50 empresas do setor, abrangendo toda a cadeia produtiva do segmento de petróleo. De acordo com a pesquisa, iniciada no segundo semestre de 2021, dois terços (63%) das petroleiras afirmaram que adotaram iniciativas digitais e um quarto (27%) destacou ter começado o processo recentemente. Apenas 3% se consideraram organizações verdadeiramente digitais, embora 100% das petroleiras participantes tenham afirmado entender de assuntos digitais.
Curiosamente, apesar de 98% acreditarem que o digital causa impacto positivo em seus negócios, cerca de 40% consideraram que iniciativas digitais geraram pouco benefício nas empresas. Os números também revelaram que, além de relativamente modesto, os investimentos em digitalização vêm ocorrendo em apenas algumas determinadas áreas em detrimento de outras. O resultado não chegou a surpreender, mas acende sinal de alerta.
“O estudo revelou que os maiores investimentos em digital na indústria de petróleo e gás estão em áreas não operacionais e isso deve continuar nos próximos anos. A tendência é de que haja um longo caminho a ser percorrido até que a transformação digital do setor de óleo e gás no Brasil atinja as atividades principais dessas empresas”, disse Eduardo Raffaini, sócio e líder de Capital Projects & Asset Transformation e de Óleo e Gás da Deloitte. Ou seja, o core das petroleiras ainda não foi adequadamente contemplado no processo.
O “longo caminho” citado pelo especialista pode custar caro tanto ao setor quanto ao planeta. Documento do Fórum Econômico Internacional (WEF) com estimativas para esta década do potencial da digitalização na indústria de petróleo e gás aponta que a transformação digital no segmento pode gerar benefícios de cerca de US$ 640 bilhões para a sociedade.
O valor total inclui US$ 170 bilhões em economia para clientes, cerca de US$ 10 bilhões em melhorias de produtividade, US$ 30 bilhões na diminuição do uso de água e US$ 430 bilhões na redução de emissões.
Ainda segundo o WEF, os benefícios ambientais abrangem redução das emissões equivalentes de CO₂ em 1,3 milhão de toneladas, gerando economia de cerca de 800 milhões de galões de água e evitando derramamentos de óleo de cerca de 230 mil barris.
O quadro descrito pela pesquisa da Deloitte é semelhante em vários países. Raffaini observou que pesquisa idêntica foi realizada no Reino Unido com resultados parecidos aos obtidos no Brasil, embora os britânicos estejam um pouco mais à frente. Para mudar essa realidade, o grande desafio é trabalhar em um ecossistema, compartilhando conhecimento tecnológico e dados, a partir da transformação digital. “O perfil do setor é de pouco engajamento, também com a cadeia de fornecedores. As empresas acabam sendo enormes silos e não compartilhando informação. A grande revolução é quando se começa a fazer maior abertura, companhias aprendendo com outras”.
Um dos motivos do pouco compartilhamento está no perfil da indústria, que traz em seu DNA décadas de concorrência acirrada. Historicamente, a questão do sigilo era primordial no setor, em função da vantagem competitiva de possuir tecnologias avançadas em relação às concorrentes. Mas, como observa Raffaini, em um mundo que caminha para a descarbonização, o foco mudou. O compartilhamento de informações tornou-se essencial, segundo o especialista, uma vez que o surgimento de tecnologias disruptivas pode jogar por terra todo o investimento realizado. O prioritário, atualmente, é desenvolver tecnologia o mais rápido possível para aplicá-la nas operações, tendo em vista a migração de energia fóssil para renovável esperada para as próximas décadas.
“O principal hoje em dia não deveria ser guardar suas tecnologias operacionais a sete chaves, já que é preciso retirar o petróleo da terra o mais rapidamente possível e com menos custo diante da perspectiva de que em 30 anos a indústria terá que se descarbonizar por uma demanda global. A corrida agora é desenvolver as reservas usando a tecnologia mais barata possível, para fazer frente ao cenário futuro de competitividade do combustível renovável. Vemos algumas empresas caminhando para trabalhar com parceiros tecnológicos, mas são poucas”, disse.
O relatório da consultoria também mensurou a influência dos participantes na indústria de O&G sobre a ambição digital das organizações. Mais da metade (54%) respondeu que os concorrentes têm impacto significativo na influência da ambição digital da sua organização; para a maioria (83%), esse impacto significativo vem dos clientes, entretanto essa influência dos clientes é ainda mais preponderante entre os participantes da cadeia de suprimentos (88%) do que entre as petroleiras (70%), o que reforça a importância das petroleiras em impulsionar a transformação digital do setor.
Os impactos dessas iniciativas são expressivos. Dados do WEF mostram que a digitalização tem o potencial de criar cerca de US$ 1 trilhão em valor para as empresas de petróleo e gás. Impactos positivos são expressivos, por exemplo, na gestão, na segurança, área crítica para o setor, ao evitar acidentes e danos ambientais, antecipando problemas com peças e vazamentos.
Telmo Ghiorzi, secretário-executivo da ABESPetro (Associação Brasileira das Empresas de Serviço de Petróleo), observa que a pesquisa da Deloitte revela que o setor está consciente dos desafios, embora ainda tímido nas iniciativas para concretização da transformação digital.
A seu ver, tais investimentos são essenciais para evitar surpresas negativas, sobretudo em relação à integridade de ativos. “O mais interessante da digitalização no campo é poder antecipar problemas. Com a Internet das Coisas (OiT), por exemplo, a frequência das surpresas seria menor. As empresas não seriam surpreendidas pela corrosão de um tubo. Conseguiria fazer intervenções mais seguras. O grande ganho seria aí”, disse.
Ele observa, entretanto, que muitas iniciativas digitais podem estar em curso no segmento de óleo e gás sem que necessariamente sejam classificadas como tal. Por exemplo na fase de exploração, com a sísmica 4D ou outro tipo de equipamento relativo à indústria 4.0, ou mesmo na etapa de construção de árvores de natal elétricas em substituição às hidráulicas e de FPSO.
A seu ver, o Brasil tem papel relevante na transição energética por produzir petróleo com menos emissão em relação aos demais países. “A indústria de petróleo tem grande papel para que a transição seja suave”, concluiu. O avanço da digitalização contribuirá para esse processo.