CONFLITO PODE ABRIR ESPAÇO PARA AÇO BRASILEIRO, DIZ ESPECIALISTA

FONTE: VALOR ECONÔMICO

A guerra no Leste europeu, travada entre Rússia e Ucrânia, após a invasão e intensos ataques dos russos ao país vizinho, gera enormes consequências no mercado global de aço e de matérias-primas ligadas à cadeia mínero-siderúrgica. Os dois países são grandes produtores mundiais de bens siderúrgicos e de matérias-primas metálicas.

“Além de grandes produtores, são dois países muito relevantes em termos de exportações”, afirma Germano Mendes de Paula, professor-doutor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e especialista na indústria siderúrgica, com pós-doutorado na Universidade de Oxford.

Em linhas gerais, destaca o especialista, num contexto de desarticulação das cadeias produtivas na Ucrânia e da imposição de sanções para as exportações russas de minério de ferro, ferro-gusa e semi-acabados (como placas e tarugos), isso tende a gerar um desvio de comércio a favor de produtos brasileiros.

Mendes cita, por exemplo, que as exportações de ferro-gusa – matéria-prima de usinas de aço de fornos elétricos – da Rússia teriam que ser deslocadas para China, que é um mercado pequeno e instável. Há também algum espaço para aumentar as exportações de semi-acabados (placas). “Mas, para as mineradoras de ferro (que já trabalham mais próximas da capacidade efetiva), os efeitos tendem a ser mais no preço do que na quantidade”, diz.

A disrupção tende a aumentar os preços do aço na União Europeia e os custos do ferro-gusa importado nos EUA
Sobre a produção siderúrgica, Mendes destaca que a maior parte do que faz a Ucrânia está no leste do país e, em função das restrições nas cadeias de suprimentos, disponibilidade de mão de obra e logística para embarques, já foram interrompidos os embarques de aço do país.

Em 2021, os semi-acabados foram responsáveis por 39% da produção ucraniana e por 45% das suas exportações.

A Ucrânia produziu 21 milhões de toneladas de aço bruto em 2021, 1% da produção global, mas superando a maioria dos produtores da União Europeia, exceto Alemanha e Itália. O país exporta em torno de 80% da produção, tornando-se um dos dez maiores exportadores de aço globalmente – cerca de 15 milhões a 16 milhões de toneladas por ano. De embarques líquidos (exportação menos importação) são 14 milhões de toneladas.

Já as exportações russas são ainda mais significativas, observa o professor e especialista da UFU. “A Rússia teve exportações líquidas de 28 milhões de toneladas em 2021, das quais 54% de semi-acabados. Cabe lembrar que a NLMK [siderúrgica russa] fornece placas para seus próprios ativos de relaminação (DanSteel e NBH), na Dinamarca e Bélgica, respectivamente, fornecimento que, obviamente, tendem a ser afetados pelo conflito”, afirma.

Segundo Mendes, alguns clientes agora estão diversificando aço russo devido aos riscos de interrupção das exportações e se verificou que o custo do seguro para o transporte marítimo através do Mar Negro também aumentou. “Se houver interrupção no embarques russos, isso apertará ainda mais o mercado do Mar Negro e aumentará os preços na União Europeia.”

Os preços da bobina laminada a quente (material de referência no comércio mundial de aço) do Mar Negro já subiram 16% numa comparação mensal, informa o especialista.

Na sua avaliação, a disrupção tende a aumentar os preços do aço na União Europeia e os custos do ferro-gusa importado nos EUA. Mendes informa que as exportações de aço da Ucrânia incluíram 2,6 milhões de toneladas para a União Europeia em 2021 (8% do total das importações da UE), enquanto a Rússia embarcou 3,7 milhões de toneladas para a região (o equivalente a 12%).

“Enquanto os preços mais altos de materiais e energia tendem a gerar um impacto negativo na demanda de médio prazo, a interrupção de aproximadamente 21% das importações da União Europeia (e 5,5% dos EUA) tende a aumentar os preços do aço no curto prazo”, afirma.

Mendes cita ainda que Rússia e Ucrânia são grandes exportadores de metais, caso de ferro-gusa, que atendem fornos elétricos em mercados como Estados Unidos. Ucrânia responde por 28% e Rússia por 34%. Combinados, embarcaram 62% aos americanos.

Assim, diz o professor, a interrupção provavelmente aumentará os custos de ferro-gusa para produtores em aciarias elétricas nos EUA. No ano passado, informa, o país comprou 53% das exportações ucranianas de ferro-gusa.

Por fim, ele destaca que, somando-se tudo, a interrupção nos embarques de minério de ferro e carvão metalúrgico dos dois principais países da CEI (Comunidade de Estados Independentes) pode aumentar os custos siderúrgicos de uma forma geral.

A Ucrânia produz em torno de 80 milhões de toneladas por ano de minério de ferro e exporta perto 46 milhões, das quais 18 milhões de toneladas na forma de pellets (pelotas). As principais produtoras são Ferrexpo e Metinvest, cujas operações estão suspensas

A Rússia, por sua vez, produz ao redor de 105 milhões de toneladas, com vendas ao exterior de 22 milhões de toneladas. Do volume exportado, 12 milhões são de pelotas de ferro, produzidas principalmente por Metalloinvest e SVST.

Em resumo, Ucrânia e Rússia exportam aproximadamente 4% de minério de ferro transoceânico. Mas são grandes atores do mercado em pelotas de ferro – 25% do volume estimado de 130 milhões de toneladas por ano.