REGIÃO SUL GANHA SUA PRIMEIRA USINA SOLAR FLUTUANTE, DE OLHO NO POTENCIAL DESSA FONTE NO BRASIL

FONTE: Petronotícias

A Região Sul ganhou a sua primeira usina solar fotovoltaica flutuante, uma tecnologia que tem um grande potencial de utilização no Brasil. Instalada no reservatório da Usina Hidrelétrica Santa Clara, no Sudoeste do Paraná, o projeto é formado por 276 módulos fotovoltaicos, com potência instalada de 100,7 kilowatts-pico (kWp), ocupando uma área de 1,1 mil metros quadrados. O empreendimento integra um projeto coordenado pelo Lactec, no âmbito do Programa de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “O Brasil  possui um potencial de geração de energia superior a 4 GWp, ou mais de 4 TWh de energia/ano, em energia fotovoltaica flutuante. Portanto, é uma tecnologia que deverá ser implementada, com o uso de materiais duráveis e com os critérios ambientais regulamentados em cada região do país”, disse o coordenador do projeto pelo Lactec, Kleber Franke Portella. Em entrevista ao Petronotícias, o pesquisador fala dos desafios desse desenvolvimento tecnológico, como o contato dos componentes eletrônicos com uma superfície úmida e as alterações climáticas. Portella também destacou os benefícios do investimento nessa nova fronteira tecnológica, como o maior potencial de produção de energia pela sua proximidade à superfície da água. Por fim, o coordenador do projeto fala ainda dos planos do Lactec para continuar explorando o potencial de usinas solares flutuantes no Brasil.

Para introduzir o assunto aos nossos leitores, poderia comentar um pouco sobre como surgiu a ideia de desenvolver esse projeto?

A tecnologia de produção de energia de fonte limpa e renovável não é nova, porém, o uso de painéis fotovoltaicos solares em ambientes aquáticos é atual e vem sendo utilizado mundialmente, dadas algumas características vantajosas em relação ao mesmo sistema implantado em terra. Como exemplos, esse sistema possui um maior potencial de produção de energia pela sua proximidade à superfície da água, devido às temperaturas mais baixas de operação dos painéis; tem uma sustentabilidade melhorada, em virtude de não se utilizar grandes áreas de terras industriais, rurais ou urbanas (as quais podem ser reaproveitadas para fins mais nobres, como a agricultura, além do seu próprio custo de compra e venda); e não necessita, na maioria dos casos, de desmatamentos, terraplanagem, ou melhorias locais. Neste caso, a superfície da água é uma área limpa e plana, sem a proximidade de elementos que fiquem entre a usina e os raios solares, ou seja, diminuem-se os gastos com obras civis adicionais.

Quando aplicado em usinas hidrelétricas, outras vantagens podem ser destacadas, como a sua integração à geração mais sustentável de energia. Nas últimas décadas vêm sendo percebidos problemas como a estiagem ou secas sazonais, entretanto esta falta de chuvas proporciona, geralmente, uma maior produção energética nos painéis fotovoltaicos solares. Neste caso, o que passa a ser um problema para as usinas hidrelétricas vem a ser a solução para as fotovoltaicas solares, como as flutuantes, que podem, quando instaladas nesses locais, ser consorciadas, aumentando a produção de energia diária da usina e proporcionando, ao mesmo tempo, uma compensação a esta recessão hídrica. Adicionalmente, têm-se menores custos na energia produzida, uma vez que se pode usufruir das redes de distribuição e de transmissão de energia disponíveis no local, utilizar seu excedente no próprio consumo interno da usina (eficiência energética), além de se ter um ambiente controlado e mais seguro a vandalismos e transeuntes, por estar implantada em locais vigiados.

No entanto, a produção de energia fotovoltaica solar em ambiente aquático pode vir acompanhada de desvantagens, as quais têm de ser avaliadas, já que é uma tecnologia recente, como no caso da diminuição do seu tempo operacional. Por ser implantada em ambiente aquático, um maior tempo de superfície úmida dos componentes eletrônicos poderá ser observado e, com isto, aumenta-se a probabilidade de corrosão, ou a diminuição da sua vida útil. Também, tem-se a necessidade de se produzir estruturas de suporte ou fixação dos painéis mais reforçadas, devido às constantes ou sazonais alterações climáticas que podem causar problemas generalizados de mal funcionamento dos sistemas de ancoragem, com as chuvas torrenciais e ventos de grande intensidades, grandes enxurradas, ondas, abalroamentos de troncos de árvores e sujidades flutuantes. Outra desvantagem, mas, que em alguns aspectos pode ser benéfica (em lagos e lagoas de locais agrícolas, onde uma menor evaporação superficial da água é vantajosa), é a grande área de sombreamento superficial do sistema, que pode proporcionar alteração e impactos no bioma e na biota, pela falta de oxigenação, transparência à luz solar, etc.

Assim, pela análise destes parâmetros e de outros reportados na literatura específica, adicionalmente à análise de uma tecnologia promissora, as equipes da Elejor, Lactec e UFT, junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), proporcionaram recursos em mão de obra, transferência tecnológica e financeiros para o desenvolvimento do projeto de P&D 2945-01000/2017, em estudo de caso na Hidrelétrica Santa Clara, de 120 MW. A usina fica localizada nas divisas dos municípios de Pinhão e de Candói, no estado do Paraná,  e o objetivo do projeto é avaliar em termos ambientais, de materiais e de produção de energia, o uso da tecnologia fotovoltaica flutuante, com implantação de uma usina de 100,7 kWp, em ambiente específico do setor elétrico, reservatório da usina, na região Sul do país.

Pode nos apontar também quais foram as contribuições de desenvolvimento de tecnologia desempenhadas pelo Lactec nesse projeto?

O projeto em si, pela sua característica de pesquisa, vem proporcionando desde a sua concepção, parâmetros e resultados satisfatórios para a produção de energia nestes ambientes do setor elétrico, principalmente na região Sul do país, onde se tem alterações climáticas mais intensas e constantes ao longo do ano. Dados qualitativos e quantitativos ambientais da água do reservatório, com relação à necessidade de estruturas mais reforçadas e com sistemas de ancoragem mais dinâmicos, independentes e visíveis, mostraram ser fundamentais para não proporcionar alterações angulares sazonais na ilha e, mesmo, acompanhar as variações de níveis de reservatórios que não são a fio d’água, como no caso, com variações de até 20 metros.

Quais foram os principais desafios tecnológicos para o desenvolvimento da usina?

Grandes desafios tecnológicos são proporcionados no desenvolvimento e na implantação de um projeto dessa natureza em ambiente natural. O primeiro está fundamentado na observação das ocorrências de alterações climáticas decamilenares, como de chuvas torrenciais, ventos de grandes intensidades e direções, enxurradas locais com variações de níveis fluviais no tempo, abalroamentos de troncos e sujidades flutuantes, que podem vir a causar problemas fortuitos locais, como no sistema de ancoragem dinâmico. O segundo, a partir da análise de documentos científicos e tecnológicos reportados, de modo a se ter um projeto mais adaptado às condições ambientais locais (I.N.P.I. – BR 10 2018 010821 2), proporcionando um menor impacto ambiental, como o de redução da área de sombreamento da superfície do reservatório (com isto, melhorando a transferência de oxigênio e da própria luz solar ao meio). E, finalmente, na contribuição de dados para a comunidade científica e tecnológica, mostrando os resultados da tecnologia com as condições ambientais, dos materiais trabalhados e, mesmo, de produção de energia.

Quais lições aprendidas no desenvolvimento desse projeto de P&D podem contribuir no futuro para a construção de novas usinas do tipo?

O aprendizado é constante em obras similares e, como comentado anteriormente, deve estar fundamentado na observação das ocorrências de alterações climáticas decamilenares, de modo a ter um projeto compatível com o meio e com o objetivo final, que é a produção de energia, causando um menor impacto ambiental e custos ao longo do tempo de projeto.

Como o senhor vê o futuro e o potencial de usinas solares flutuantes no Brasil?

O Brasil  possui um potencial de geração de energia superior a 4 GWp, ou mais de 4 TWh de energia/ano, em energia fotovoltaica flutuante. Portanto, é uma tecnologia que deverá ser implementada, com o uso de materiais duráveis e com os critérios ambientais regulamentados em cada região do país.

A despeito dos desafios hídricos recentes, o Brasil é uma potência quando falamos de hidrelétricas. Investir em usinas solares flutuantes dentro de hidrelétricas será uma nova fronteira de desenvolvimento no país? Por quê?

Sim, o investimento parece viável, pela integração de ambas as produções de energia e, também, consorciando a partir das condições climáticas regionais. No entanto, não se deve deixar de analisar os impactos socioambientais envolvidos em cada local.

Quais os próximos planos e passos do Lactec no que diz respeito a projetos de usinas solares flutuantes.

A usina de geração fotovoltaica solar da Hidrelétrica Santa Clara (P&D 2945-01000/2017) está implantada de modo a trazer parâmetros e resultados técnico-científicos que ainda vêm sendo analisados, para as suas transferências ou divulgações junto à Elejor, à comunidade científica e tecnológica e ao próprio setor elétrico. Neste caso, fundamentam-se os aspectos ambientais (pelo uso de módulos flutuantes de menor área de sombreamento, flutuadores de origem reciclada e de um sistema de ancoragem dinâmico com âncoras de fundo e pesos-morto, ambos fabricados em concreto vazado, com nanomaterial, de forma similar a recifes artificiais à ictiofauna) e tecnológicos, pela análise dos materiais envolvidos, sua durabilidade, análise de ciclo de vida e, também, pela produção sazonal de energia elétrica na região Sul do país.

Na continuidade do projeto, em outras fases, os estudos iniciais (ambientais, de materiais e tecnológicos) continuarão a serem explorados e, em nova planta, outras tecnologias de produção de energia serão aportadas, como os painéis bifaciais, para o aproveitamento da capacidade reflexiva e, também, com otimizadores de potência, podendo-se com isto minimizar o impacto ambiental pela maior produção de energia por área utilizada do reservatório.