A geração de energia eólica offshore chega ao Brasil

FONTE: viex-americas.com

Aprendemos desde pequenos que 75% da superfície do planeta é composta pelos oceanos, logo é possível imaginar que algo com tamanho tão relevante tenha papel primordial em muitos aspectos da nossa rotina, como o consumo de alimentos, atividades de lazer e por quê não, a geração de energia elétrica?

Os ventos que sopram pelos oceanos empurraram as caravelas portuguesas ao nosso país e ao longo de seu litoral. Agora estes mesmos ventos poderão ser responsáveis pela próxima quebra de paradigma do setor elétrico, a chegada dos parques eólicos marítimos à matriz elétrica nacional.

Com um histórico positivo em sua trajetória no país, a energia eólica onshore comprovou que é possível a produção de eletricidade complementar com custos competitivos, viabilizando não apenas a rápida diversificação do nosso mix de eletricidade, mas também indicando o caminho para as fontes que a sucederam como a solar. Esse mesmo caminho é esperado para as novas tecnologias, tais como, resíduos sólidos, eólica offshore e armazenamento.

Fora do Brasil, os projetos de eólica offshore têm sido acelerados e ganham cada vez mais destaque, baseados nos compromissos de transição energética assumidos por países e organizações, com o objetivo de neutralizar as emissões líquidas de carbono nas próximas décadas. O Conselho Global de Energia Eólica (GWEC – Global Wind Energy Council) estima que para atender as metas globais até 2050, é necessário instalar cerca de 2.000 GW de energia eólica offshore até o final deste período.

Aliás, na recém-finalizada Conferência das Partes (COP) 26, vinculada à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, em Glasgow, Escócia, a eólica offshore foi alçada à principal aliada para o alcance desta meta. A sua aplicação, não somente para a produção de eletricidade, mas também hidrogênio verde, faz com que ela já ganhe espaço nos diversos países do hemisfério norte e seja a possível resposta para o suporte à parte das aplicações baseadas em tecnologia fóssil existentes atualmente.

No cenário nacional, o otimismo externo também é refletido. Os investidores vêm se mobilizando em busca da identificação do potencial eólico offshore brasileiro, cuja estimativa ultrapassa os 700 GW, segundo avaliação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Esse movimento é percebido com maior atenção quando analisada as informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Atualmente pouco mais de 46 GW em capacidade eólica offshore está em desenvolvimento no país, com uma concentração nos litorais dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, além de projetos na Bahia, Espirito Santo e o Piauí.

Destaca-se no cenário nacional esse trabalho que vem sendo conduzido pelo IBAMA, que há bastante tempo estabeleceu regras claras para a orientação do empreendedor interessado em desenvolver projetos de eólicas offshore, em especial, após a publicação do seu Termo de Referência para orientações gerais dos estudos necessários, disponibilizado há cerca de um ano para o mercado em geral.

A publicação do Termo foi fundamental para a escalada exponencial no número de interessados nesse tipo de tecnologia, pois, o que todo o investidor deseja é conhecer as regras do jogo previamente a qualquer desembolso.

Contudo, a estruturação de um arcabouço regulatório ainda é o nosso grande desafio. Por exemplo, tramitam hoje no Congresso Nacional, diferentes Projetos de Lei que versam sob o tema e cuja agenda legislativa não permite visualizar o final dessa caminhada, ou mesmo se esta é a melhor alternativa como defende o Ministério de Minas e Energia. O Executivo prefere que a regulamentação desse mercado se dê por meio de decreto, justificado pela maior simplicidade do debate, mas, principalmente, pela rápida possibilidade de modificação, caso alguma coisa não se mostre adequada. Por fim, há ainda quem defenda que as regras já estão estabelecidas, só é preciso ampliar a interpretação do que existe nos atuais regulamentos.

Em qualquer cenário, independente da escolha do modelo regulatório, este é o principal ponto de atenção do debate sobre parques eólicos offshore no Brasil, dado o significativo impacto que pode resultar não apenas no modelo econômico-financeiro, mas também influenciar o nível de competitividade que teremos nesse mercado.

A única certeza que temos para qualquer destas situações é que complexos eólicos marítimos se justificam em especial para usinas de porte bastante elevado, pois possuem custos de implantação alto e cuja escala é preponderante para uma melhor atratividade, logo, o modelo adotado deverá captar as características da tecnologia.

Aliás, a escala das turbinas offshore é fascinante. Recentemente, acompanhei o anúncio de parcerias e projetos para aerogeradores de 18 MW de capacidade, cerca de três vezes superior a maior turbina eólica onshore anunciada para o Brasil. Numa lógica que já predominou no setor durante alguns anos, seria o equivalente a ter cada equipamento como um parque eólico.

Outra discussão essencial passa pelas autorizações necessárias para dispor do local de implantação das usinas. Diferente do que acontece nos parques sobre o continente, no licenciamento ambiental para usinas offshore este não é um requisito, o que já implica atualmente em empreendimentos que possuem áreas de interesse que são superpostas, sendo esta uma das principais incógnitas dentro do aspecto regulatório. Além disso, há a divisão de responsabilidades com múltiplos agentes participando do processo autorizativo, o que aumenta a necessidade de existir um regramento unificado que conduza o processo e passe por esses diferentes intervenientes.

Não podemos deixar de mencionar a indefinição ainda dos critérios para as medições anemométricas, no qual itens como tempo de medição, distância máxima do ponto de medição, tecnologias aceitáveis para a atividade e interferência entre parques ainda carecem de respostas técnicas. O ambiente eólico offshore é diferente do continental, por isso o aproveitamento das normas vigentes para o segundo é passível de questionamentos.

Aliás, não apenas os procedimentos para as campanhas de medição carecem de regulamentos, a própria tecnologia em si carece de definições imediatas para que tenhamos maior clareza em relação também as autorizações que são necessárias para a instalação das estruturas sejam fixas ou flutuantes.

Toda a urgência no estabelecimento das regras para o arcabouço regulatório é necessária para uma pronta resposta aos investidores, lembramos que a concorrência do Brasil é com outras nações por este investimento, mas também a nossa própria necessidade de suprimento energético.

Temos atravessado novamente um cenário de forte escassez hidrológica, resultando em incremento do despacho termelétrico, elevação no grau das bandeiras tarifárias e ao final, energia mais cara para o consumidor. Pior, trata-se de um cenário repetitivo e que, em especial nesta última década, foi bastante frequente.  Como fazer para interromper esse ciclo? The answer, my friend, is blowin’ in the wind.

Fato que a offshore ainda não é competitiva como a maior parte das fontes, mas ela é mais barata que a energia contratada de maneira emergencial para o sistema. O que por si, já ajudaria a justificar a antecipação da contratação desta fonte, aumentando as opções de suprimento para o sistema.

Entretanto, além das questões regulatórias pontuadas, é importante não perder de vista que a viabilidade desse futuro passa também por outras políticas que demandarão investimento em infraestrutura, logística, cadeia produtiva, recursos humanos. E tudo isso precisa ser agora, pois os resultados desses investimentos são obtidos apenas no longo prazo.

Em relação a viabilidade econômica, os números indicam a competitividade da eólica offshore superior ao imaginário popular. A tendência de popularização desta tecnologia definitivamente contribuirá também para uma redução do atual patamar de preços, o que pode justificar um pequeno empurrão de mercado assegurado para uma rápida redução nos custos envolvidos. Tal estratégia já se mostrou exitosa inclusive com a eólica onshore.

Um fator relevante é a proximidade também que algumas áreas de interesse têm dos centros de carga, ou seja, dos locais onde há um grande consumo de energia, o que é interessante para o atendimento do mercado. Ainda nesse aspecto, precisamos que exista um planejamento mais antecipado para os corredores de transmissão que integrarão as diversas regiões de potencial eólico marítimo com o Sistema Interligado Nacional. São grandes volumes e cujas subestações existentes e já projetadas não contemplam o maciço volume de energia que poderá vir desta fonte.

Felizmente, os primeiros passos na direção da viabilização das usinas eólicas marítimas já foram percorridos. Precisamos garantir que a marcha seja contínua e que os aspectos aqui abordados e tantos outros que compõem o desenvolvimento de um projeto eólico sejam também endereçados.

Alvissareiras são as palavras do Ministro Bento Albuquerque que, na COP 26, antecipou a presença da eólica offshore oficialmente no Plano Decenal de Energia 2031. Apesar do PDE ser um instrumento indicativo de planejamento, sabemos que o seu histórico recente é conservador quando consideramos a penetração das fontes renováveis de energia na nossa matriz elétrica.

Assim, é possível acreditar que em no máximo 10 anos, o Brasil possua as suas primeiras usinas eólicas marítimas em operação. Mas, se engana que isso é ainda um futuro distante. A necessidade da contratação antecipada para o horizonte de suprimento permite concluir que de fato a corrida pelo pote de ouro da energia eólica offshore já começou e podemos esperar que os primeiros projetos estejam aptos para a comercialização antes de 2025.

Em outras palavras, o futuro offshore é logo ali!.