Alagoas trava disputa por R$ 2 bilhões da BRK Ambiental

FONTE: Valor Econômico

Opositores acusam governo de Renan Filho de usurpar poder dos municípios e ficar com outorga do leilão de saneamento da região metropolitana de Maceió

A concessão de saneamento básico da região metropolitana de Maceió (AL), conquistada pela BRK Ambiental em 2020, é alvo de uma disputa judicial e política. Prefeituras e opositores, endossados pela União, tentam obter, na Justiça, uma parte dos R$ 2 bilhões arrecadados no leilão, que foram destinados ao governo estadual de Renan Filho (MDB). Além disso, questionam a formação do bloco regional, argumentando que o Estado concentrou poderes e usurpou competências dos municípios.

No setor privado, o imbróglio, que já soma três ações no Supremo Tribunal Federal (STF), causa temor de que ações semelhantes se repliquem pelo país.

Para setor privado, disputa gera insegurança jurídica na formação de blocos regionais no país

A concessão de 13 cidades da região metropolitana de Maceió foi leiloada em setembro de 2020. A operação foi alvo de forte concorrência e acabou sendo conquistada pela BRK com uma outorga de R$ 2 bilhões, muito acima do esperado. O contrato foi assinado em dezembro de 2020, e a outorga foi totalmente paga ao Estado, em junho deste ano.

A percepção do setor privado é que o risco de ruptura do contrato é muito baixo. Inclusive, os autores de duas das ações no STF deixam claro que apoiam a operação da BRK, e que o objetivo é apenas obter parte da outorga. Porém, analistas afirmam que as discussões têm gerado insegurança jurídica para a formação dos blocos regionais – um processo exigido na nova lei do saneamento e que está em curso em todos os Estados do país.

A disputa em Alagoas é vista como uma briga política local, principalmente entre os clãs de Renan Calheiros, pai do atual governador, e Arthur Lira (PP), político do Estado que hoje é presidente da Câmara dos Deputados.

A percepção é que os opositores querem evitar que, em ano eleitoral, o governador Renan Filho tenha em mãos um cheque de R$ 2 bilhões. Além disso, há o interesse das prefeituras de garantir caixa. O PP, de Lira, e o PSB (Partido Socialista Brasileiro), do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, são os autores das duas ações que têm como objetivo central a repartição dos recursos.

A outra ação foi movida pelo PT (Partido dos Trabalhadores), antes do leilão, com objetivo de barrar a concorrência – o que não ocorreu. Porém, o processo segue em discussão no STF e causa preocupação às companhias. Na avaliação de uma fonte, das três, esta é a ação que apresenta maior perigo ao contrato e ao setor, porque vai além da questão da outorga e coloca em xeque a formação do bloco regional.

Uma das críticas é que os 13 municípios integrantes do bloco ficaram subrepresentados. Juntas, as cidades somam direito de voto de 40% na entidade metropolitana. Já o Estado teria garantido praticamente o controle das decisões – com 40% de peso para o governo estadual, 15% para a Assembleia Legislativa e 5% para representantes da sociedade civil. O quadro revela uma “evidente concentração de poderes” e uma “clara usurpação de competências”, diz a petição do PT.

A composição também é criticada por Maria Cláudia Bucchianeri, advogada que defende a prefeitura de Maceió em uma das ações. Para ela, os municípios não tiveram poder nas decisões da entidade metropolitana, que aprovou os termos do leilão – e a destinação integral da outorga ao governo estadual. “Não houve de fato uma cooperação interfederativa. Os municípios foram esmagados pelo Estado”, afirma.

Recentemente, a Advocacia Geral da União (AGU) também se posicionou de forma favorável aos municípios, em relação à destinação dos recursos. Em sua manifestação, o advogado-geral, Bruno Leal, afirmou que a escolha da assembleia metropolitana de destinar os recursos ao Estado não seria legítima e que “afronta diretrizes de compartilhamento de meios e de recursos em benefício da região como um todo”.

Para uma fonte do setor privado, a manifestação da AGU foi recebida com surpresa, considerando que o próprio governo federal foi o maior defensor da regionalização do saneamento, que pode ser prejudicada pelas ações movidas pelos municípios.

A decisão de transferir as outorgas do leilão apenas ao Estado foi aprovada pela entidade federativa de Maceió em duas ocasiões, em 2019 e 2020, e constava no edital do leilão, elaborado com apoio do BNDES.

Na época, a própria capital concordou, mas a nova gestão municipal, assumida em 2021, passou a questionar o termo. Para o governo estadual, o fato de os novos prefeitos terem entendimento diferente dos anteriores não quer dizer que a decisão tomada no passado é inválida. “Entretanto, boa parte dos prefeitos mantém seu posicionamento, o que garante ampla maioria no colegiado”, disse o governo.

Em nota, o Estado também diz que “toda a destinação de recursos públicos é autorizada pela Assembleia Legislativa, com prestação de contas detalhada para a região metropolitana e Tribunal de Contas”, e que os recursos “estão sendo alocados em projetos estruturantes”.

Procurada, a BRK não se manifestou sobre o assunto. O presidente da Câmara afirmou, em nota, que não é contra a concessão, mas que esta “não pode penalizar o consumidor de Alagoas”.