ONS prevê colapso de 8 reservatórios até novembro
FONTE: Valor Econômico
Usinas representam 53% da armazenagem de água do país
Pelo menos oito grandes usinas hidrelétricas instaladas na região Sudeste devem ficar com seus reservatórios perto do colapso total até 30 de novembro, fim do período de estiagem, segundo nota técnica enviada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) à Agência Nacional de Águas (ANA). Essas usinas, localizadas na bacia do rio Paraná, somam 10 mil megawatts (MW) de potência e representam 53% de toda a capacidade de armazenamento de água do país.
No documento, assinado por dois de seus diretores, a entidade responsável pela operação do setor faz projeções sobre o comportamento dos reservatórios no restante da temporada de estiagem. O quadro é estarrecedor: as represas de Furnas, Nova Ponte, Itumbiara, Emborcação e São Simão esgotam seus volumes úteis antes do recomeço das chuvas. As hidrelétricas de Mascarenhas de Moraes, Água Vermelha e Marimbondo terminam o período seco com menos de 2% da capacidade.
O cenário de referência adotado pelo ONS prevê a repetição do regime hidrológico de 2020, que já havia sido crítico, e a manutenção das atuais regras de vazão nas usinas – o quanto de água pode entrar e sair dos reservatórios a fim de preservar outros usos, como o abastecimento humano, irrigação, transporte por hidrovia, atividades de pesca e até de lazer.
Os diretores Alexandre Nunes Zucarato (planejamento) e Sinval Zaidan Gama (operação), do ONS, recomendam uma série de flexibilizações com o objetivo de impedir o esvaziamento completo dos reservatórios e minimizar o risco de falta de energia. Sem isso, alertam, “há praticamente esgotamento de todos os recursos” em novembro e seria necessário “o uso da reserva operativa a fim de evitar déficit” no suprimento.
“Considerando-se as previsões de afluência obtidas com a chuva de 2020, prevê-se a perda do controle hidráulico de reservatórios da bacia do rio Paraná no segundo semestre de 2021”, afirma o ONS em um dos trechos finais da nota técnica. “A perda do controle hidráulico na bacia do Paraná implicaria restrições no atendimento energético nos subsistemas Sul e Sudeste/Centro-Oeste.”
De acordo com especialistas ouvidos pelo Valor, isso significaria ampliar a possibilidade de blecautes, já que o sistema ficaria excessivamente vulnerável a pequenas oscilações e imprevistos, como um pico de consumo e limites técnicos na transmissão de uma região do país para outra.
Entre as medidas recomendadas estão reduções da cota (altura do espelho d’água) mínima em Ilha Solteira (SP), o que inviabilizaria por meses a navegabilidade da hidrovia Tietê-Paraná, e vazão maior do reservatório de Furnas, que fica próximo à cabeceira do rio Grande, para alimentar o fluxo de água chegando nas represas em seguida. Essa mudança pode causar restrições à piscicultura e já foi objeto de críticas do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que teme impacto negativo na economia regional.
O ONS prevê ainda o acionamento de até 20 mil MW de usinas térmicas entre outubro e novembro. Hoje estão ligados pouco mais de 10 mil MW. Na prática, significaria colocar em funcionamento até mesmo as termelétricas movidas a óleo diesel, as mais caras e poluentes de todo o sistema.
Caso as mudanças sugeridas pelo ONS venham a ser acatadas, o operador prevê que essas oito usinas podem evitar o colapso, chegando ao fim de novembro e encerrando o período seco com volumes úteis de 2% a 6,4%.
No quadro descrito como “cenário de sensibilidade” pelo ONS, as simulações passam a indicar sobra de 3,3 mil MW de potência em novembro – evitando, no limite, a adoção de medidas restritivas para o fornecimento de energia. O excedente estaria concentrado no Nordeste e seria preciso aumentar ao máximo a geração na região, com transferência de energia para o Sudeste.
Para o consultor da PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Barroso, o quadro traçado pelo ONS é excessivamente negativo. “Talvez tenham sido levemente dramáticos no pedido. Eu tenho uma visão um pouquinho menos pessimista”, diz o especialista. “Para o ONS, é justamente essa flexibilização das vazões mínimas que permitiria evitar perda do controle operativo.”
Luiz Eduardo Barata, que foi diretor-geral do ONS, considera a situação preocupante e lembra: quando os reservatórios estão com capacidade abaixo de 10%, as hidrelétricas podem simplesmente não responder ao pedido de geração de energia – pelo risco de dano das turbinas por falta de “combustível”, ou seja, fluxo de água em quantidade suficiente.
Segundo o documento encaminhado à ANA, a capacidade média dos reservatórios no Sudeste/Centro-Oeste (as duas regiões compõem um único subsistema operativo) chegaria ao fim de novembro com 7,5%. Na mesma data de 2001, ano do racionamento de energia, o armazenamento estava em 23,1% do total.
“A situação nossa é muito diferente de 2001. Naquela época, era colocar usinas emergenciais em operação, de péssima qualidade, ou entrar em colapso”, afirma Barata, que também foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia. “Agora, com as fontes renováveis, temos geração de qualidade muito rápido. A questão toda é enfrentar o quadro com transparência e mudar paradigmas. Não dá para resolver os problemas do presente com as ferramentas do passado.”
Por meio de sua assessoria, a ANA informou que “flexibilizaçoes e demais medidas necessárias para a situação estão em análise”. As análises serão feitas caso a caso, conforme a realidade de cada região, disse a agência reguladora.