Logística tem pouco investimento e muita demanda
FONTE: Valor Econômico
Infraestrutura não acompanha salto na movimentação de cargas e expectativa de atração do capital privado ainda não se confirmou
Um ano difícil, marcado por poucos investimentos na infraestrutura logística, de modo geral, mas que também pôs em destaque o papel fundamental das empresas de transportes na distribuição de produtos essenciais em uma pandemia e terminou com bons resultados para o setor. Este é um resumo do que foi 2020 para os transportadores de carga do país – e do que continua prevalecendo neste primeiro trimestre de 2021, em que os casos de covid-19 atingiram aqui os índices mais altos, na contramão da tendência mundial.
“O lucro médio das companhias de carga rodoviária aumentou 15% em relação a 2019. E o movimento em fevereiro deste ano já foi 4% maior do que o de fevereiro de 2020, quando ainda não tínhamos a pandemia”, informa Vander Costa, presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que reúne 155 mil empresas do setor, a grande maioria delas – mais de 90% – do segmento rodoviário. “No caso do transporte de passageiros, porém, ocorreu o oposto, com prejuízo generalizado”, ressalva.
Segundo estudo da Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), a movimentação de carga no país, considerando todos os modais, foi até ligeiramente maior em 2020 em relação a 2019, totalizando 1.771 bilhões de TKUs – unidade que combina toneladas com quilômetros percorridos – ante os 1.753 bilhões de TKUs do ano passado, um aumento de 1%. Apesar dos pequenos recuos no transporte por rodovias (-0,6%) e por ferrovias (-1%), houve avanços promissores nos modais aquaviário (+10,2%) e dutoviário (+6,2%). O segmento aéreo, que responde por uma parte mínima nesse processo, permaneceu estável, com 1 bilhão de TKUs transportadas.
“Hoje o consumidor está no centro do processo econômico, impulsionando redes como a Amazon e a Alibaba. Estamos vendo muitas fusões e aquisições, lojas comprando logística e indústrias montando startups como o Zé Delivery, da Ambev. A logística pesada no Brasil ainda vai piorar antes de melhorar, mas o mundo vai nos ajudar na retomada”, avalia Maurício Lima, do Ilos.
O aumento no transporte geral de carga foi puxado pelo petróleo do pré-sal e pelos grãos da safra recorde brasileira, compensando a queda nos embarques de minérios. A movimentação portuária avançou 4,2% em 2020, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antac), totalizando 1,151 bilhão de toneladas. Já os leilões para concessão de dezenas de ativos logísticos programados para o ano passado tiveram de ser adiados por falta de apetite dos investidores. “A grande expectativa pela participação do capital privado, principalmente externo, ainda não se realizou”, lamenta Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), que congrega empresas que atuam na cadeia de suprimentos e grandes consumidores. “Não conseguimos fazer nem o leilão da nova Via Dutra, que é a joia da coroa das rodovias”, emenda Vander Costa.
De fato, das 44 concessões e renegociações previstas para 2020 de ativos logísticos, o Ministério da Infraestrutura só conseguiu efetivar 12, com destaque para a renovação antecipada das ferrovias Vitória-Minas e Carajás, operadas pela Vale. O ministro Tarcísio de Freitas, porém, destaca as boas perspectivas para este ano, quando a iniciativa privada será convidada a participar do maior pacote de concessões já oferecido pelo governo brasileiro em qualquer época – nada menos de 54 ativos logísticos, incluindo 23 aeroportos, 17 terminais portuários, três ferrovias e 11 lotes de rodovias.
“Vamos começar com a licitação de 22 aeroportos agora em abril, divididos em três blocos. Nossa expectativa é encerrar o ano com investimentos programados de R$ 137,5 bilhões de parceiros privados”, detalha Marcelo Sampaio, secretário executivo do ministério. Com um orçamento de apenas R$ 6,7 bilhões em 2021, o Ministério da Infraestrutura depende do capital privado para a ampliação e modernização da matriz brasileira de transportes, sobretudo das ferrovias e da navegação de cabotagem, que têm muito espaço para crescer. Espera, ainda, contar com mais R$ 3 bilhões de emendas parlamentares.
No ano passado, o governo encaminhou ao Congresso um projeto que prevê a facilitação do aluguel de embarcações estrangeiras para incentivar a concorrência e criar novas rotas de navegação, reduzindo o custo dos deslocamentos. Conhecido como BR do Mar, esse conjunto de medidas – em tramitação no Senado neste momento – poderia representar um aumento de 40% na capacidade da frota marítima nos próximos três anos, segundo o ministro Tarcísio de Freitas.
Para ampliar o transporte ferroviário, a grande aposta está nos leilões das ferrovias Fiol (Ferrovia de Integração Oeste Leste) e Ferrogrão. Sem fôlego para tocar as obras da Fiol, que chegaram a ser iniciadas, o governo colocará em leilão no dia 8 de abril o trecho inicial de 537 quilômetros entre Porto Sul, em Ilhéus (BA), e o polo mineral de Caetité (BA). O investimento previsto é de R$ 3,5 bilhões. Os trechos seguintes, entre Caetité e Barreiras (BA) e de Barreiras a Figueirópolis (TO), onde a Fiol se conectará à Ferrovia Norte-Sul, completando um trajeto de 1.527 quilômetros, não têm data para ser licitados.
A Ferrogrão, como o nome indica, é a ferrovia de 933 quilômetros planejada para escoar a produção de soja e milho do Centro-Oeste até os portos do Arco Norte. O projeto, que ainda não saiu do papel e está em análise no Tribunal de Contas da União (TCU), prevê a ligação de Sinop (MT) ao Porto de Miritituba, em Itaituba (PA), na barranca do rio Tapajós. O governo espera realizar o leilão ainda no segundo semestre deste ano e acena aos investidores com um prazo de concessão excepcionalmente longo, de 69 anos, e a disposição de adiantar até R$ 2,2 bilhões à futura concessionária para cobrir “riscos não gerenciáveis”, como compensações ambientais e custos de desapropriações acima das estimativas iniciais.
Esses R$ 2,2 bilhões – recursos excepcionais numa época de cobertor curto, em que o governo se endivida cada vez mais para administrar os efeitos da pandemia – são os mesmos que a Vale se comprometeu a pagar na renovação do contrato das ferrovias Carajás e Vitória-Minas. Em vez de irem para o caixa geral da União, ficarão numa conta vinculada, à margem do orçamento, num esforço do ministério pela obra que considera estratégica, com potencial para transportar mais de 40 milhões de toneladas/ano.
Com orçamento de R$ 8,4 bilhões só para a sua implantação, a Ferrogrão terá um traçado paralelo à rodovia BR 163/230, que cumpre exatamente o mesmo trajeto e deverá ser leiloada neste segundo trimestre. A concessão da BR 163/230 prevê investimentos de R$ 1,9 bilhão e terá vigência curta, de apenas dez anos, uma vez que está destinada a perder movimento de carga com a futura ferrovia.
Assim que a pavimentação da BR 163/230 foi concluída, no final de 2019, acabando com os atoleiros no trecho de 51 quilômetros entre Moraes Almeida e Novo Progresso, no Pará, o transporte pela rodovia ganhou velocidade e reduziu custos. “Pela primeira vez, a soja do Centro-Oeste brasileiro foi entregue na China num tempo menor do que a embarcada no Meio-Oeste dos Estados Unidos”, destaca Marcelo Sampaio, citando estudo do Departamento de Agricultura dos EUA. O custo da exportação, em dólar, teria caído 20% em 2020 na rota pelo Arco Norte, segundo Sampaio. Com a concessão da rodovia e, futuramente, a entrada em operação da Ferrogrão, o agronegócio brasileiro ganhará ainda mais competitividade, conclui.
Apesar desse avanço no Arco Norte e das 92 obras e contratos realizados pelo governo na área da infraestrutura em 2020, não faltam críticas ao ministério por parte de operadores logísticos. “É muita linha e pouco conteúdo. O ministério se esqueceu das rodovias, que continuarão garantindo o transporte de carga nos próximos cinco ou dez anos, pelo menos, já que as ferrovias levam tempo para ser implantadas”, acusa Vander Costa, da CNT, citando as quedas de 2,3% de investimentos no modal rodoviário em relação a 2019, e de 31,7% em relação a 2010. Nas contas do ministério, foram realizadas 65 obras rodoviárias em 2020, totalizando 1.430 quilômetros de novas estradas entregues. Para o presidente da CNT, ainda é muito pouco.
O que fez o transporte rodoviário avançar em 2020, na opinião de vários empresários e analistas do setor logístico, foi a necessidade de manter o abastecimento da população num período de grave crise sanitária. “A pandemia mostrou como as transportadoras são importantes na distribuição de itens essenciais, como alimentos e insumos de saúde”, nota Priscila Miguel, coordenadora de logística da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Embora empresas de vários setores tenham enfrentado dificuldades ao ponto de fechar as portas, em função das restrições à circulação das pessoas, Priscila destaca a capacidade dos empresários de se adaptar a um período tão difícil. “Perceberam que a saída estava nas vendas on-line e investiram pesado na digitalização. Não à toa, o e-commerce cresceu no ano passado o que era previsto para três anos”, afirma.
Enquanto o agronegócio foi o grande motor do transporte rodoviário de longo curso em 2020, o e-commerce respondeu pelo crescimento da demanda na primeira e na última milha. Os números sobre o salto nas vendas on-line variam conforme a fonte, mas são todos vigorosos: 68% de aumento, nas contas da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), 73,88% nas da Câmara Brasileira da Economia e 75% nas da Mastercard. Com isso, as vendas pela internet já representam cerca de 9% do varejo nacional – e tudo indica que vão continuar aumentando esse percentual nos próximos anos, acompanhando a tendência mundial. Os marketplaces ancorados em grandes marcas foram fundamentais nessa alta expressiva – o canal on-line do Magazine Luiza, por exemplo, respondeu por dois terços das vendas totais da rede.
Com essa explosão do e-commerce, a procura por galpões para estocar produtos também cresceu. “O Brasil fechou 2020 com 16,7 milhões de metros quadrados de condomínios logísticos de alto padrão, ante 15,2 milhões em 2019, um crescimento de 10%. E a taxa de vacância também melhorou: era de 17% em 2019, e passou para 14% em 2020”, informa Pedro Moreira, da Abralog, citando dados da Colliers International. A busca por mais espaço de armazenamento é outra tendência que deve continuar em 2021: o Mercado Livre, que desde o ano passado é a empresa latino-americana com maior valor de mercado, anunciou a abertura de cinco novos centros logísticos até o final deste ano, dobrando a sua capacidade de estoque.
Apesar desses avanços pontuais, a pergunta de 1 milhão de dólares é: quando o Brasil retomará o crescimento nos diversos setores da economia? Numa pesquisa da consultoria PwC com 5.050 CEOs de cem países, 85% dos entrevistados brasileiros disseram acreditar numa melhora da economia neste ano. Detalhe: a consulta foi feita entre janeiro e fevereiro de 2021, antes de o país atingir os piores índices da pandemia. “A piora na disseminação da covid-19 gera instabilidade de novo. Precisamos desenvolver nossa capacidade de prever riscos para se antecipar a eles”, analisa Emília Guimarães, da consultoria Accenture.
“A luz no fim do túnel é a vacinação. Só depois dela os negócios voltarão ao normal em todas as áreas. Espero que isso aconteça até o fim deste ano”, estima Tayguara Helou, presidente do Setcesp, o sindicato das empresas de transporte de São Paulo. Quanto ao resultado financeiro das transportadoras, Helou acredita que deve continuar positivo em 2021, não só pela percepção da sua importância por parte da sociedade, como também pela melhoria da gestão. “Desde que me entendo por gente ouço que o preço do frete está defasado. Mas quando as empresas fazem um bom planejamento, elas operam com lucro e se fortalecem. Foi o que aconteceu em 2020”, afirma.
O planejamento adequado, segundo Helou, supera dificuldades como o súbito aumento no preço dos caminhões em 2020 – que chegou a 45% com a menor oferta de componentes importados – e não se ilude com vantagens momentâneas, como a queda no valor do diesel. “Este ano o diesel já subiu mais do que caiu em 2020, o que significa que o frete vem aumentando na mesma proporção, assim como os produtos transportados. Afinal de contas, os transportadores não podem arcar com o prejuízo”, afirma.
Para aliviar o preço do diesel, sem mexer na política da Petrobras, o setor encaminhou ao Ministério da Infraestrutura uma proposta de redução do teor de biodiesel no combustível, que hoje é de 13%. “Se baixar para 7%, que é o índice adotado pelos países europeus, o diesel pode ficar 5% mais barato. E sem nenhum prejuízo ambiental”, garante Vander Costa, da CNT. O ministério ainda não se posicionou a respeito.