Saneamento é grande oportunidade para o país, diz empresa que venceu dois leilões do setor

FONTE: folha.uol.com.br

Executivo alerta, porém, que atração de investimentos depende de conclusão de novo marco regulatório

Vencedora de 2 dos 3 leilões de saneamento realizados no Brasil este ano, a Aegea Saneamento avalia que o país entrou de vez na mira de investidores internacionais do setor, que devem acirrar a competição nos leilões previstos para 2021, principalmente o da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) do Rio, o maior deles.
A empresa, que já opera em 57 municípios brasileiros, levou em 2020 contratos para prestação dos serviços em Alagoas e no Mato Grosso do Sul, com investimentos previstos de R$ 1,6 bilhão. Mas diz que sua situação financeira é confortável e que está preparada para as próximas disputas.

Em entrevista à Folha, o vice presidente de Relações Internacionais da empresa, Rogério Tavares, avalia, porém, que a atração de investimentos estrangeiros depende da definição de regras mais uniformes para a gestão dos contratos em todo o país, processo que vem sendo tocado pela ANA (Agência Nacional de Águas) a partir da aprovação do novo marco do setor.

Atualmente, estados e municípios têm agências reguladoras em diferentes níveis e com diferentes entendimentos sobre contratos, o que, em sua opinião, aumenta insegurança e custos de transação. “Com o fechamento dessas pendências, abre para o ano que vem perspectiva muito mais clara para investidores que não estão aqui ainda”, diz.
Tavares é um pouco cético com relação à possibilidade de universalização dos serviços de esgoto em 2033, conforme previsto pelo novo marco legal, mas defende que os investimentos no setor podem ajudar o país a sair da crise gerada pela pandemia. “É uma grande oportunidade para o país”, afirma o executivo.

O marco regulatório teve influência na decisão da Aegea por competir nesses leilões? Para esses leilões recentes, não chegou a ter impacto direto. Eles vinham sendo formatados pelo BNDES anteriormente, trabalhando em cima da legislação atual do setor. Mas, obviamente [com o marco] houve interesse maior. O marco legal sinaliza que vamos construir mais segurança jurídica, notadamente no papel que a ANA vai desempenhar de supervisão regulatória nacional.

É possível uniformizar a atuação das agências em um país tão diverso? Uma das coisas que o marco traz é a criação de padrões de referência para a regulação, para que as diversas agências reguladoras sigam regras básicas, tenham um padrão de norma e de fiscalização em questões tarifárias, de reequilíbrio de contratos, vários temas complexos. A ANA vai padronizar isso.

Outra coisa é um programa de capacitação do pessoal das agências, o que é fundamental. Uma coisa é ter uma agência em São Paulo, outra é ter um
agência em um município pequeno do interior. Os portes são diferentes, as realidades são diferentes e a capacitação profissional não é igual.  Conseguir estabelecer um padrão diminui bastante não só a insegurança jurídica como os próprios custos de transação. Não vamos precisar de lidar de diferentes formas com o mesmo tema.

Como a Aegea vai financiar os investimentos? Tem possibilidades diversas, a gente pode usar fontes convencionais e pode ir a mercado. A gente tem ido muito a mercado. Tem 70% do endividamento junto a mercado de capitais, pelas condições favoráveis em termos de taxa básica de juros reduzida. E o mercado tem mostrado interesse em participar no saneamento, que é um monopólio regulado, com resiliência muito característica. Mas hoje temos situação bastante tranquila, temos um caixa entre recursos disponíveis e aplicações de mais de R$ 2 bilhões. Então estamos tranquilos para trabalhar nessas novas concessões.

O cenário, então, é favorável ao setor? Do ponto de vista do cenário, temos taxa de juros com perspectiva de estabilidade. É um setor que demanda investimento e tem um multiplicador de 2,8, ou seja, para cada R$ 1 bilhão, vai gerar R$ 2,8 bilhões, em termos de renda, de produção de máquinas e equipamentos… Ou seja, é um setor fundamental para a retomada econômica

Alguns estados têm optado por concessão e outros por PPP (parceria público-privada). Para a Aegea, qual o modelo mais atraente? Do nosso ponto de vista não temos nenhuma restrição, buscamos ambos os negócios. Por exemplo, o modelo da Cedae, que é uma concessão comum, nos interessa. Nós vamos disputar. Tem que olhar a todos para ganhar alguns. A tendência é que a concorrência vá aumentando.

Até agora, tínhamos poucas empresas no setor. A partir da lei, abre-se um mercado que estava relativamente travado. Os investidores internacionais
devem estar esperando as coisas se consolidarem e devem se aproximar mais a partir do próximo ano, já olhando para as oportunidades como a da Cedae, que é um processo muito maior em termos de licitação.

Estamos falando do atendimento de 12 milhões de pessoas, de investimentos da ordem de R$ 30 bilhões. Até pelo porte, isso atrai alguns players que eventualmente não se interessavam pelo que foi posto até agora. Mas isso é positivo. Vai ter muita gente concorrendo e tem negócios para diferentes portes.

A lei fala em universalização do saneamento até 2033. É possível? A lei fala num prazo de 2033, que pode ser estendido até 2040 em algumas situações. Se eu considerar o horizonte até 2040, entendo que é perfeitamente factível. Tudo até 2033 eu acho difícil. Eventualmente alguma coisa escorrega, vai até 2040. Mas do ponto de vista de executar, de ter insumo etc., entendo que há como. Claro que tem um aumento muito grande de demanda, mas é uma coisa muito importante para o país, porque vai movimentar a economia. Vai atrair mais gente de todos os segmentos, produção de máquinas, insumos. Mão de obra, tem uma demanda grande, mas tem muita coisa que não demanda muita qualificação. É obra mesmo, abrir buraco, assentar tubo.

O sr. vê algum gargalo ainda? Para começar, tem que ter bons projetos. O BNDES claramente diz que montou uma fábrica de projeto e esse trabalho é essencial, porque uma modelagem bem feita é a chave do sucesso. A questão regulatória, a segurança jurídica é essencial também. Para isso a ANA está começando a debater as normas, é um trabalho que vai levar em torno de dois anos.

É outro bloco essencial dessa construção, porque vai garantir a segurança jurídica. E do ponto de vista das empresas que vão participar desse negócio todo, cabe a elas buscar continuamente aprimorar a sua condição técnica para dar conta disso da melhor forma possível, buscando inovação, disciplina financeira, buscando novas estruturas para viabilizar esses investimentos da melhor forma e ao menor custo. Se algum desses blocos não andar direito é que podemos ter problema. Mas estamos bastante otimistas, porque há um empenho, há muita seriedade no trabalho. É oportunidade de resgatar uma dívida social que e muito grande.

O BNDES prevê ao menos seis leilões em 2021. Algum outro lugar no mundo tem uma oferta assim? Pela questão dos déficits na prestação do serviço, nós talvez sejamos a grande oportunidade do setor. Pode ter um caso ou outro que ainda tenha déficits para investimentos, mas não me parece que tenha oportunidades como as que estão sendo colocadas no Brasil. Já há muita conversa de investidores se informando, o assunto está na pauta do mercado financeiro, pelas oportunidades que podem ser geradas.

Esse setor é extremamente resiliente, é um setor que na pandemia praticamente não sofreu grandes impactos, as pessoas não vão ficar sem água.
Mesmo com as suspensões de cortes, as pessoas continuaram pagando suas contas. O consumo aumentou pelas pessoas ficarem em casa, compensando a queda do comercial. É um setor que está atravessando bem, mostra cada vez mais que é resiliente, que as oscilações da economia não vão mudar a receita.
Saneamento é tipo renda fixa.