Demanda de bilhões para expandir distribuição de combustíveis
FONTE: Brasil Energia
Mesmo com os projetos em andamento e programados, gargalos logísticos poderão persistir a depender da demanda
Apesar de estar entre os principais mercados produtores e consumidores de combustíveis no mundo, o Brasil possui ainda gargalos na logística de distribuição que se sanados podem tornar o serviço mais eficiente e os preços mais competitivos.
Alguns projetos-chave e propostas para destravar rotas de abastecimento e de transferência entre bases de distribuição até a chegada dos combustíveis ao consumidor final já existem, mas é necessário um um cenário econômico e regulatório mais favorável.
Estudo encomendado pelo IBP destaca a necessidade de investimentos em logística específica para derivados e biocombustíveis de até R$ 12 bilhões até 2030. A pesquisa identificou demandas prioritárias em terminais portuários, dutos e terminais terrestres, ferrovias e hidrovias.
“A realização da totalidade desses investimentos levará não apenas à expansão da infraestrutura e distribuição, como à redução dos custos operacionais na cadeia de abastecimento de combustíveis no país”, ressaltou Valéria Lima, diretora executiva de downstream do IBP.
De acordo com o material, se os aportes nos projetos-chave forem realizados proporcionarão uma redução anual de cerca de R$ 1 bilhão no custo de suprimento de combustíveis.
Segundo Marcus D´Elia, sócio da consultoria Leggio, responsável pelo estudo, a pesquisa utilizou como premissas os preços PPI em todos os polos, refinarias atuando de maneira complementar (os volumes são cabotados quando a demanda é maior que a oferta na cadeia) e demanda e oferta projetadas considerando o ciclo econômico atual (PIB médio de 2,5% aa no longo prazo). O especialista ressalta que mesmo com os investimentos, outros gargalos podem surgir.
“Os gargalos apontados continuarão existindo mesmo no mercado competitivo, e poderão ser maiores. Além disso, novos poderão aparecer, principalmente em Santos e Paranaguá, com a ampliação da competição entre refinadores”, destaca D´Elia.
O estudo destaca projetos estruturantes fundamentais para desafogar os nós logísticos: construção de terminais portuários de Santarém, Vila do Conde (com editais em andamento), da ferrovia Ferrogrão (para etanol e derivados de petróleo) e ampliação das dutovias ORSUB (Oleoduto do Recôncavo-Sul da Bahia) e OSBRA (oleoduto São Paulo – Brasília).
Ainda não existem estudos sobre o cenário de competição entre as refinarias sob a gestão de novos operadores após o desinvestimento da Petrobras no refino, mas D´Elia ressalta que a presença de mais refinadores privados deverá levar a uma corrida por soluções logísticas mais eficientes.
Divulgado em setembro, relatório do subcomitê Novo Cenário Downstream do MME, no capítulo sobre a infraestrutura para movimentação de derivados de petróleo, reforça o papel da entrada de novos players no refino nacional como promotora de mudanças na atual dinâmica de suprimento. Segundo o ministério, “será necessário construir novos arranjos estruturais ao longo da cadeia do downstream, capazes de gerar eficiências econômicas e atrair a realização de investimentos privados em infraestrutura”.
Já Paula Arantes, especialista em Óleo e Gás da consultoria Ilos, acredita que a entrada de refinadores privados terá impacto pequeno na competitividade logística, com mudança apenas em alguns fluxos. “Há uma mancha entre norte de Minas e sul da Bahia que é potencial de disputa por mercado entre Rlam e Regap. Pode ter mudança sim de fluxo de abastecimento por conta das refinarias e importação também. Na região existe a ferrovia Montes Claros (MG) – Candeias (BA) que é pouco utilizada. Pode ser que o volume aumente em razão dos preços praticados. No resto não vejo mudanças significativas”.
Segundo a consultora, a partir de 2016 em razão da mudança política de preços dos combustíveis que favoreceu a importação, empresas começaram a investir em tancagem portuária e houve aumento da presença de tradings no mercado.
“As empresas querem ter tancagem no porto, porque se tiver oportunidade de importar, querem ter ativos. Até 2016 a infraestrutura de movimentação não mudou muito. A partir de então alguns fluxos se modificaram. Campo Grande (MT), por exemplo, que antes era abastecida por São Paulo, agora pode ser pelo Paraná, especialmente com o modal ferroviário”.
No cenário de maior demanda e competição o modal ferroviário é visto como uma alternativa importante para a internalização dos combustíveis, especialmente no movimento de importação de derivados cada vez mais crescente no chamado Arco Norte (conjunto de infraestruturas portuárias e de transporte no norte do país). O projeto da Ferrogrão, por exemplo, pretende ligar a cidade de Miritituba (PA) a Sinop (MT) em um trecho de 933 km.
Segundo Arantes, os fluxos que começaram a surgir em Sinop, Cuiabá e o prosseguimento de projetos como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) de 1.526 km de extensão, que ligará Figueirópolis (TO), ao porto de Ilhéus (BA), além do terminal ferroviário em Rondonópolis (MT), que se conecta a malha norte da Rumo, ajudarão a baratear o custo dos combustíveis para o interior.
A política de importação fortalece a movimentação de combustível pelo Arco Norte e também pela BR – 163. O projeto de concessão da rodovia visa melhorar as condições da estrada cujo trajeto ligará o estado do Pará ao Rio Grande Sul, em um corredor viário para transporte de grãos e de combustíveis complementando a movimentação de modais como ferrovia e hidrovia.
“Com ferrovia fica mais barato e tem mais volume. Mas se não tivermos a Ferrogrão, a ampliação da BR-163 é uma boa opção”, destaca Arantes, lembrando ainda da importância do modal hidroviário no qual enxerga potencial na região Norte, estado de Tocantins descendo até Goiás, além de trajetos entre São Paulo e Mato Grosso.
Alguns projetos de infraestrutura logística já estão em andamento no país. O Porto de Itaqui (MA), que integra o cinturão portuário do Arco Norte e movimenta apenas derivados, sobretudo importados, vem ampliando sua tancagem. A meta é passar dos atuais 370 mil m³ para 600 mil m³ de armazenamento nos próximos dois anos. Neste ano a Ultracargo adicionou mais 100 mil m³ em seu terminal em Itaqui e a Raízen inaugurou um novo terminal de 80 mil m³. Além disso, estão previstos até 2021 leilões de quatro áreas greenfield e brownfield para granéis líquidos no porto com investimentos de R$ 500 milhões.
No sul do país, para atender o volume crescente de movimentação de derivados, a Cattalini Terminais Marítimos está ampliando sua capacidade de escoamento de combustíveis líquidos, via modal ferroviário, no Porto de Paranaguá (PR).
Serão mais 16 pontos de carregamento, além dos 19 atuais, que se conectarão à rede ferroviária administrada pela concessionária Rumo, a partir do primeiro semestre de 2021. A Cattalini movimenta derivados de petróleo para a BR Distribuidora, Ipiranga, Raízen e tradings com alcance regional. Concluída esta ampliação, a empresa projeta uma nova expansão para 2024.
No Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, além da ferrovia Ferrogrão e terminais portuários no norte do país, estão em andamento o leilão do terminal de Alemoa, no Porto de Santos (SP), que demandará R$ 1,3 bilhão em investimentos, e a concessão de cerca de 18.000km de rodovias com potencial para atrair aportes de R$ 164 bilhões.
Perfil da movimentação de combustíveis
O estudo “Corredores Logísticos Estratégicos”, publicado em setembro pelo Ministério de Infraestrutura, confirma o modal rodoviário como o mais utilizado no transporte de combustíveis no país. Os que mais dependem do transporte rodoviário são biodiesel, etanol e QAV com 88% do volume movimentado por caminhões.
Já a gasolina e o diesel, combustíveis mais consumidos no mercado nacional, têm 38% do volume transportado em caminhões, 32% em ferrovias, 22% via cabotagem e 8% em dutos. No modal ferroviário, etanol e biodiesel têm 14% e 7% dos seus volumes transportados e a rede dutoviária, apesar de possibilitar a movimentação de maiores cargas, representa apenas 8% do transporte de combustíveis. O modal hidroviário também tem importância significativa para gasolina, óleo diesel e QAV, sendo menos representativo para biodiesel e etanol.
O estudo mostra que a movimentação de QAV, biodiesel e etanol para terminais e bases de distribuição é feita principalmente por rodovias, embora os modais ferroviário e dutoviário também sejam utilizados, em menor escala, nas regiões Sudeste e Sul.
Na análise do IBP, considerando as longas distâncias do Brasil e menores custos operacionais, sobretudo na ligação com terminais e bases de distribuição, os transportes por cabotagem, hidrovia e ferrovia apresentam vantagens. “As ferrovias podem ter um papel mais importante na racionalização do sistema logístico. Mas o transporte rodoviário segue imprescindível em sub-regiões, para chegar ao final da cadeia de distribuição, especialmente em áreas urbanas”, lembra Valéria Lima.
Segundo dados da ANP, para a movimentação de derivados de petróleo o país possui 113 dutos de transporte totalizando 5158 km de malha e 256 dutos para transferência com 1635 km de extensão. Para o etanol são 12 dutos de transferência com 17 km e sete estruturas para transporte com 361 km ao todo.
Maior empresa de movimentação de derivados do país, a Transpetro deve investir, de acordo com o seu Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2020-2024, R$ 1,6 bilhão em manutenção de infraestrutura de dutos e terminais. A estatal opera 7.719 km de dutos para transporte de petróleo, derivados e biocombustíveis, interligados a 47 terminais terrestres e aquaviários.
As rotas dutoviárias para movimentação de combustíveis da Transpetro operam atendendo multiprodutos em todas as regiões do país, escoando a produção das refinarias para as distribuidoras e a logística de cabotagem ao longo da costa. A empresa possui capacidade de tancagem para gasolina, diesel, QAV e etanol de 2.724.757 m³, nos terminais aquaviários, e de 2.259.823 m³ nos terrestres.
Mercado de combustíveis
De acordo com últimos dados da ANP, a comercialização total de combustíveis em setembro deste ano foi de 10,2 milhões m3, alta de 1,76% em relação ao mesmo mês de 2019. Diesel e gasolina tiveram aumento no consumo (7% e 1,2%), respectivamente. Já etanol teve retração de 9,2% no mesmo período.