Novas soluções para recuperar a energia do lixo das cidades

FONTE: Brasil Energia

Oferta de tecnologias de pirólise e gaseificação, para recuperação energética de resíduos, ganha força no Brasil, de olho na expansão do mercado

À espera de regulações favoráveis, como o projeto de lei 513/2020 que tramita no Senado e visa fomentar a atividade, os fornecedores de soluções para recuperação de resíduos para geração de energia se preparam para o crescimento provável da demanda futura. Além dos vendedores de soluções importadas turn-key, de usinas de waste-to-energy com incineração, compartilham dessa expectativa empresas com tecnologias inovadoras e desenvolvidas no país.

O melhor exemplo é o segmento de sistemas de pirólise e gaseificação de resíduos, solução considerada propícia para o Brasil, por ser viável para escalas a partir de 25 toneladas por dia de resíduos, a serem processados e transformados em gás de síntese (syngas) para geração de energia. Não custa lembrar que 96% dos municípios brasileiros têm menos de 100 mil habitantes, com população que gera em média até 100 t/dia de lixo. Esse volume, em reatores de pirólise ou gaseificação, pode gerar syngas suficiente para miniusinas de 3 MW.

A aposta nessas tecnologias compactas para municipalidades é contraponto às usinas térmicas de grande porte para incinerar lixo, que demandam no mínimo 700 t/dia de resíduos para serem viáveis, o que requer, além de altos investimentos, que podem chegar a R$ 1 bilhão (70 MW), também difíceis acordos para formalizar consórcios entre cidades ou regiões metropolitanas.

Não é combustão

A oferta dos sistemas nos últimos anos se consolidou. Os grupos mais importantes são a catarinense Weg, que fez acordo para fornecer a tecnologia de gaseificação da empresa Energia Limpa do Brasil, de Curitiba (PR); a paulista ZEG Ambiental, do grupo Capitale Energia, com processo de pirólise avançada; e a RTB, de Monte Mor-SP, também da pirólise.

As tecnologias de pirólise e gaseificação não utilizam a combustão completa para queimar os resíduos, como na incineração, que usa o oxigênio a 100% como elemento comburente e por isso gera emissões que precisam ser tratadas. As duas tecnologias, cujos processos em reatores são isentas ou parcialmente isentas de oxigênio, são consideradas limpas.

A pirólise é anóxica, ou seja, totalmente isenta de oxigênio. O ambiente controlado em reator, que sofre aquecimento térmico externo, faz o processo termoquímico volatilizar a matéria, transformando os resíduos em gás de síntese (syngas), numa proporção de 90% do volume de lixo, que pode ser usado em geradores de energia ou para gerar vapor, e os restantes 10% em biocarvão, com uso principal como fertilizante.

Já a gaseificação é uma oxidação parcial, em ambiente pobre de oxigênio (40% a 50%), dentro de reator, e cujo processo gera também o gás de síntese, mas com menor poder calorífico por ainda ter o nitrogênio proveniente do ar atmosférico do processo, e cinzas.

Projetos

A RTB, com planta piloto de pirólise em Monte Mor, está com dois projetos em licenciamento ambiental. O primeiro é em Bento Gonçalves (RS), cujo edital de procedimento de manifestação de interesse (PMI) foi vencido pela tecnologia da RTB, que serviu como referência para uma PPP a ser lançada.

O outro projeto é em Barcarena, no Pará, resultado de um termo de ajuste de conduta (TAC) entre a indústria francesa Imerys, que provocou poluição por despejo de caulim em corpos d’água da região, e o Ministério Público. Como compensação aos danos, foi imposto à empresa o investimento em solução para os resíduos sólidos urbanos do município.

Depois de pesquisar no mercado, a Imerys resolveu investir no sistema da RTB, para operá-lo durante um tempo e depois repassá-lo ao município de 120 mil habitantes. No momento, o projeto ainda está em licenciamento, segundo o diretor da RTB, Rafael Muniz.

A usina paraense poderá tratar 25 t/dia de lixo, com gerador de energia de 500 kW. O processo também vai gerar cerca de 2,5 t/dia de biocarvão. Sob investimento de R$ 15 milhões, a previsão inicial era assinar o contrato em janeiro e colocar a usina em operação em julho, o que por conta da crise sanitária sofreu atraso.

Já a ZEG Ambiental conta com tecnologia de pirólise ultrarrápida. Segundo o diretor, André Tchernobilsky, o sistema se baseia em reator com um termodifusor que consegue resistir a altas temperaturas (de até 1000o C) ao mesmo tempo em que transmite calor e energia de maneira eficiente, volatilizando a matéria em um instante de segundo.

De acordo com Tchernobilsky, o primeiro contrato foi fechado com a Nexa (ex-Votorantim Metais), um take or pay de dez anos (renovável por mais dez) para fornecer vapor para a planta, com redução de 20% no custo. Há também outro projeto praticamente licenciado em Minas Gerais e um sistema instalado em aterro sanitário, em escala comercial, para 2 t/h, suficientes para atender a uma cidade de 100 mil habitantes.

O sistema da ZEG, em módulos de 1,3 e 5 MW, é adaptado em contêiner de caminhão. A empresa faz todo o investimento, que inclui também o gerenciamento dos resíduos e dos rejeitos da operação, e recebe pela energia.

Gaseificação

A tecnologia comercializada pela WEG, da Energia Limpa, é de gaseificação. Desde 2017, há uma usina em operação em aterro sanitário de Mafra (SC) e, segundo o diretor Evandro Lopes, há mais quatro projetos em andamento, sendo dois em licenciamento, em São Paulo e no Paraná, outro em fase de financiamento em Santa Catarina, e um no Rio Grande do Sul em início de termo de referência.

Segundo ele, o primeiro, por ter sido pioneiro no Brasil, demorou quatro anos para ser licenciado, mas a expectativa é de que os atuais sejam mais céleres. A usina em Mafra ainda não gera energia elétrica, apenas térmica. Os sistemas são dimensionadas em 2,5 MW (6 t/h de resíduos, até 130 mil habitantes) ou 5 MW.